sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Lenimar Carvalho: vendedora de artesanato, ex-detenta, feliz

Como será o processo de reinserção da mulher ex-detenta - ou egressa do Sistema Penal - na sociedade? Será mesmo que as pessoas estão despidas de todo o preconceito com relação às mulheres que, finalizada a sua dívida com a Justiça, voltam para o lado de fora da prisão para tentar reconstruir uma vida mais digna?

Partindo dessas dúvidas/curiosidade, comecei a montar a pauta da minha reportagem para a disciplina Jornalismo Impresso I, ministrada pelo professor Agostinho Gósson,. Comecei pesquisando dados, números, estatísticas, mas, quer saber?, não era aquilo o que eu realmente queria passar para quem lesse a minha reportagem. Foi então que eu e a Thamires Oliveira, minha companheira de pauta, fomos na Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de Ceará, batemos na porta do NAPAE (Núcleo de Apoio ao Presidiário e Egresso), e falamos com quem melhor poderia nos responder as perguntas-base: as própria egressas. Fomos muito bem recebidas e conversamos com mulheres com histórias incríveis, mas uma em especial nos contou uma "saga" que mais parecia roteiro de cinema, a Lenimar. Com toda a simpatia e simplicidade, Lenimar não só nos proporcionou uma entrevista maravilhosa, mas também nos deu uma aula de força de vontade, fé e amor à vida. Não deu outra: fiz uma reportagem-perfil dessa mulher fantástica.


Perfil:
Lenimar Carvalho da Silva
“Eu sou a maior vendedora de artesanato daqui do NAPAE. Tenho uma verdadeira paixão pelo que é feito por preso e presa.”

por Beatriz C. Ribeiro

Fotografia, poesia, artes plásticas. Do começo ao fim da nossa conversa, a manauara Lenimar, 44 anos, não deixou de transparecer sua alma de artista. Muito expansiva e receptiva, tratou logo de apresentar os quadros, peças artesanais e fotografias espalhados pela sede do Núcleo de Assistência aos Presidiários e Apoio ao Egresso (NAPAE), da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus), onde trabalha desde 2007. Lá, Lenimar vende, em exposições, artesanatos produzidos dentro das unidades prisionais do estado, coordena eventos internos e, orgulhosa, se diz ser o “cartão de visita” do núcleo, mostrando em fotos o trabalho desenvolvido junto aos presidiários e egressos do sistema penitenciário cearense.

Assim como cerca de quarenta outras mulheres que trabalham em núcleos da Sejus em Fortaleza e na região metropolitana, Lenimar também cumpriu pena no Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, o IPF. Foram dois anos e seis meses em regime fechado, mais dois anos e dez meses em semi-aberto. Seu riso fácil logo dá lugar a um par de olhos verdes cheios d’água ao lembrar os maus momentos que vivera lá dentro e o engano cometido que lhe tomou alguns anos de liberdade.

Nascida e criada em Manaus, Lenimar, em 2004, vinha a Fortaleza montar seu segundo negócio de confecções. Na época, o filho adolescente estava envolvido com drogas. “Eu sabia o que o meu filho estava fazendo. Tentei impedir, mas não consegui”, disse. O filho, acompanhado de uma namorada e uma “generosa” carga de substâncias ilícitas, seguiu Lenimar de Manaus a Fortaleza. A Polícia Federal foi acionada e deteve primeiro a cúmplice, que delatou a localização do amante. Ele havia fugido, pouco tempo antes de sua prisão, para o quarto de hotel em que a mãe estava hospedada. Quando a polícia chegou ao local, Lenimar, num impulso de proteger o filho, assumiu o crime de tráfico de drogas. “Eu pensei que tinha livrado meu filho, que tinha resolvido a questão, só que não aconteceu isso. Meu filho ainda ficou 8 meses preso e eu fiquei 2 anos e 6 meses no IPF”, recorda desgostosa.

Passou por todo o processo judiciário, dormiu e acordou na prisão, conviveu com a tristeza, o escuro das celas, a violência. Sua vida havia mudado completamente. “Num dia, eu era uma microempresária e, de repente, estava presa”. Mas o seu jeito inquieto, vivo e alegre não a permitiu que baixasse a cabeça. Com pouco tempo, já conversava com muita gente dentro do IPF. Contou-nos, muito orgulhosa, que, lá, ensinava as analfabetas a ler e escrever, porque ficava indignada com o fato de elas quererem parecer “tão duronas, tão espertas” sem terem nem ao menos o conhecimento que as permitiria pegar o ônibus certo, ao saírem dali.

Ainda no IPF, Lenimar teve o primeiro contato com os projetos do NAPAE. Trabalhou na fábrica de material de limpeza, que mantém as presidiárias ocupadas, além de lhes reduzir um dia de pena a cada três de trabalho. Ela começou fazendo detergente e água sanitária, assim como todas as outras. Mas, de tanto observar o trabalho do supervisor da fábrica, em pouco tempo já o substituía em suas funções, quando era chamada. Notável a “curiosidade produtiva” da manauara, o supervisor lhe indicou ao NAPAE, para que fosse trabalhar lá quando saísse do IPF. E assim aconteceu. Mas não imediatamente após o fim do regime fechado.

Em 2007, findos os dois anos e seis meses no IPF, Lenimar cumpriria, então, o resto da sentença em regime semi-aberto, isto é, não poderia voltar para perto da família, em Manaus. Conseguiu emprego na Casa do Cidadão, como recepcionista. Não contava para todos a sua história passada, mas não era segredo a sua “temporada” na prisão. Contou-nos que sentiu, muitas vezes, o olhar atravessado das pessoas. “Fala-se de ressocialização, mas não é fácil, porque da cabeça de muita gente o preconceito toma de conta”, comenta. 

No fim de 2007, ainda em semi-aberto, saiu da Casa do Cidadão e foi buscar emprego no NAPAE. Ao chegar lá, a então supervisora do núcleo, que já a vira declamar poesias e pintar quadros, na época em que estava no IPF, além de lhe contratar como secretária e telefonista, permitiu-lhe utilizar a internet em horário de almoço e, no período da tarde, quando não houvesse muito serviço, poderia desenhar e pintar. “Aí ela me arranjou uma mesa, que vocês chamam ‘birô’, né? E pronto, eu tinha aqui [no NAPAE] o meu espaço”. 
Espaço esse que Lenimar foi expandindo, conversando com recém-egressos e profissionais do Direito, sem distinção, e se envolvendo ainda mais com o artesanato vindo de dentro das unidades penais, especialmente o das mulheres do IPF. Em 2008, encerrada a sua pena, Lenimar foi terceirizada pelo núcleo. “Hoje eu trabalho com o que mais gosto, que é artesanato, que é preso, que é pessoa”, diz.

Lenimar no stand de venda de artesanatos do NAPAE na Expoece 2011

Não abre mão de uma boa conversa com “as meninas do IPF”. “Da vida boa que eu levava antes da prisão e que perdi, encontrei algo bem melhor, quando saí, que é conviver com essas mulheres, que é mostrar para elas que todo mundo é capaz de mudar a sua própria história e que pode ser feliz”. Emocionada, fala que, todos os dias, vem uma ou outra agradecer por suas palavras amigas, seus conselhos.

Diz-se feliz. Há tempo para trabalhar, estudar, aprender outras línguas, “mexer na Internet”, escrever, pintar, fazer muitas fotografias, criar. Casou-se com Paulo Sérgio Lucas de Oliveira, que conhecera no NAPAE e que também é egresso do sistema carcerário. “É muito paciente e atencioso”, disse Lenimar ao interromper rapidamente a nossa conversa para atendê-lo ao celular. O filho, hoje aos 23 anos, casou-se com “uma moça boazinha”, está trabalhando e morando em Fortaleza, perto da mãe. Lenimar vive com o marido, um monte de materiais para pintura, um computador e vários bloquinhos com sua história e poesias eternizadas.
“De tudo que eu passei, o melhor lugar que encontrei foi aqui [o NAPAE]. Aqui foi a base da minha mudança. Aqui eu tive apoio, encontrei pessoas irmãs, que torceram muito para que eu não desistisse de viver, de ser alguém”, sorri.

NAPAE
É através do Núcleo de Assistência aos Presidiários e Apoio ao Egresso, que a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus) desenvolve atividades de ressocialização dos presos e dos que já saíram do Sistema Penal Cearense. No IPF, realiza projetos como a fábrica de material de limpeza, confecção de roupas e artigos esportivos, que geram renda e incentivam a re-inclusão dessas mulheres no mercado de trabalho. Em parceria com a Creche Amadeu Barros Leal, o NAPAE também mantém uma sede dentro do IPF, que oferece total assistência aos filhos de 0 a 6 anos das presas e egressas. Oferecendo apoio e respeito à Cidadania, o NAPAE vem desempenhando importante papel na prevenção da reincidência criminal.
:: SERVIÇO
Núcleo de Assistência aos Presidiários e Apoio ao Egresso - NAPAE
Endereço: Rua Tenente Benévolo, 1055 - Meireles. Fortaleza-CE
Fone: (85) 3101.2860

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

"Babel" sob a ótica dos estudos culturais



 Lançado em 2006, o drama Babel, parceria entre o diretor Alejandro Gonzales Iñarritu e o roteirista Guillermo Arriaga, ambos mexicanos, pode ser relacionado a conceitos como globalização, identidade, comunicação e cultura, sob a ótica dos estudos culturais.

Contada de maneira não linear, a trama envolve quatro “núcleos”, cujas histórias são interdependentes, e se passa em quatro países. O chefe de uma família marroquina compra, de um de seus vizinhos, um rifle que fica a cuidado de seus filhos para que possam proteger o rebanho dos chacais que rondam a região. Richard e Susan, um casal de americanos que recentemente havia perdido o filho mais novo, faz parte de um grupo de turistas que visita o Marrocos. Os irmãos marroquinos, enquanto cuidam do rebanho da família, acabam por atirar contra o ônibus em que o casal estava, e a bala atinge Susan. Os filhos do casal ficaram nos Estados Unidos, sendo cuidados pela babá mexicana, que os leva, sem a permissão dos pais, para o México. No Japão, um pai, antigo dono do rifle que agora pertence à família marroquina, enfrenta problemas de relacionamento com a filha, uma adolescente surda.

Os pesquisadores dos estudos culturais analisam como diversos grupos se comportam em relação a cultura dominante e diante do encontro com o outro, que faz parte de uma cultura diferente. Essa relação está presente no filme, sendo a cultura americana a hegemônica e a que exerce maior influência sobre as demais. Um exemplo disso é o fato de o casal americano pedir coca-cola, uma bebida tipicamente americana, mas já globalizada, no Marrocos. Outro exemplo de cultura como objeto de poder e da superioridade da cultura americana pode ser observado no tratamento dado pelas autoridades policiais à babá mexicana e aos marroquinos. Essas situações levantam questionamentos: e se fosse uma babá americana? E se a bala tivesse atingido outra pessoa, e não uma turista americana? A ação da polícia teria sido a mesma?

O preconceito cultural também é uma temática tratada no filme. Os turistas estrangeiros têm medo de permanecer em uma pequena vila do Marrocos, estão lá apenas para “ver de longe”. As crianças americanas ouviram da mãe que o México é um país perigoso. Essa é uma questão representada pela frase de Gustavo Lins Ribeiro, ao falar sobre a relação entre brancos e afro-americanos: “incorporo sua música, mas não se case com minha filha”. Teoricamente, a globalização diminui as fronteiras. Na prática, e é o que o filme nos mostra, essas fronteiras ainda permanecem fortes, pelo menos culturalmente.

Para Néstor Garcia Canclini, a cultura é resultado de miscigenações e modificações que ocorrem ao longo da história. Essa hibridação é potencializada pela globalização, processo desigual e que, embora não seja considerado recente, fica mais aberto e misto com o passar do tempo. Canclini e Stuart Hall personificam a hibridação cultural nos cidadãos de fronteira e nos imigrantes. Em Babel, Amélia, a babá mexicana, é a personagem que representa a situação de milhões de pessoas pelo mundo, que recebem influências das mais diversas culturas. Após 16 anos vivendo nos Estados Unidos, Amélia mostra que criou uma identidade americana, aparente nos argumentos que utiliza ao implorar ao policial que não a deporte. Não a consideram, porém, como uma legítima cidadã americana. A identidade dela é dividida. Suas referências não são exclusivamente mexicanas. No caso de Amélia, a fragmentação da identidade foi motivada pela desterritorialização. A construção da identidade não depende mais apenas do território geográfico. As referências culturais são também fatores dessa construção. Para Hall, essa fragmentação é ainda reflexo da pós-modernidade.

O nome do filme pode ser entendido como uma referência a Torre de Babel, metáfora para os problemas de comunicação interpessoal, em que a linguagem não é principal barreira e que tem papel central na trama. No Japão, pai e filha não se entendem, e a surdez da adolescente não é o único motivo: a relação entre os dois ficou prejudicada depois do suicídio da mãe. A comunicação entre a garota e as amigas é apresentada,  além da interação entre elas, que têm uma linguagem própria, e os garotos que não são surdos. A tecnologia a serviço da comunicação também está presente nesse “núcleo”, na cena em que a garota se comunica com uma amiga por uma espécie de webcam. A falta de diálogo entre o casal americano, que viaja para salvar o relacionamento, também é uma das questões do filme.

A comunicação de massa, embora não seja tão enfatizada, está presente como plano de fundo. Em algumas cenas, os personagens assistem a telejornais que noticiam o acontecimento – a turista americana ferida no Marrocos -, mas sempre pelo lado americano do fato, chegando até mesmo a cogitar a hipótese de terrorismo. “Afinal de contas, a ideologização impediu que se interrogasse qualquer outra coisa nos processos além dos rastros do dominador. Nunca os do dominado, e muito menos os do conflito.” (MARTÍN-BARBERO, 2001, p. 291).

O conceito de globalização em Babel pode ser percebido no simples fato de o filme ser baseado na interdependência de acontecimentos e pessoas de diferentes partes do mundo. Percebemos, porém, que a globalização não é um processo unificado. Enquanto somos apresentados à vida simples de um pequeno vilarejo no Marrocos, o filme também nos mostra o uso da tecnologia avançada no Japão. O conceito de globalização - ou de ocidentalização, já a influência americana no oriente é marcada na trama - também está presente em detalhes: a coca-cola no Marrocos, o rifle, que provavelmente não era de fabricação japonesa, com o qual o caçador japonês presentou o guia marroquino e até no fato de o filme ser uma produção hollywoodiana com direção mexicana. 

Referências
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.


segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A Lei Azeredo e o controle da Internet


Segundo o Projeto de Lei (PL) 84/99, que está prestes a ser aprovado, é crime acessar sem autorização um sistema informatizado protegido por restrição de acesso, inserir ou difundir código malicioso – isto é, “qualquer sistema desenvolvido para executar ações danosas ou obter dados ou informações de forma indevida” – ou vírus em sistema informatizado, dentre outras ações que atentem contra a privacidade de dados e documentos eletrônicos. O PL é conhecido popularmente por Lei Azeredo – em referência ao deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG), enfático defensor da matéria. Já para ativistas da internet livre, a alcunha mais adequada ao PL é AI-5 Digital. AI-5, aquele da ditadura... da censura.

Mas censura? A palavra é forte. Exagerada, talvez. Mas será que as críticas negativas ao projeto são só empolgação anarquista de um bando de “hackers” desocupados? No discurso maravilhoso de Azeredo, o Estado vai atuar quase como um ciber-xerife de faroeste, capturando e punindo ladrões de senhas, criadores e distribuidores de vírus, invasores de sistemas restritos, enfim, salafrários que perturbam a paz do ciberespaço. O que não é de todo péssimo. Alguns atos devem sim ser punidos.

Mas pairam dúvidas quanto à suposta “proteção força total” do PL. Os defensores da internet livre levantam questões que devem ser avaliadas antes de se adotar qualquer posição precipitada/utópica. Primeiro de tudo: será que estamos diante da eminência de um “vigilantismo digital” por parte do Estado, a ser pouco a pouco reforçado por meio de instrumentos constitucionais complementares a tal Lei Azeredo? Vão vigiar meu histórico de atividades na Internet? Até que ponto a lei vai poder distinguir o criminoso, com a força da palavra, do internauta comum que cotidianamente baixa músicas e compartilha arquivos, sem pretensão de lucrar e sem “más intenções”?

A possibilidade de um tipo de “controle obsessivo” por parte do governo brasileiro no ciberespaço embaralha totalmente os conceitos de liberdade de expressão, compartilhamento e interação tão aclamados na Internet. Não adianta aprovar a lei que diz o que fazer com o ciber-criminoso e o que não pode fazer no mundo virtual. Antes disso, deve-se definir os direitos e deveres de usuários e provedores. Falar de punição antes de falar de direitos e deveres não faz sentido.



Referências:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=15028
http://www.cartacapital.com.br/politica/o-ai-5-digital
http://blogs.estadao.com.br/link/comissao-discutira-lei-azeredo/

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Um dia com os Risonhos

Vocês lembram daquela reportagem sobre o trabalho da ONG Risonhos? Pois é, aquele dia de visita rendeu também uma matéria de telejornalismo, que vocês podem ver aqui.


As imagens são da Gabriela Custódio - que publicou fotos lindas desse dia no blog dela, o "meu mundo enquadrado" -, a Thamires Oliveira foi nossa repórter, e eu fiquei responsável pela produção. Essa matéria foi nosso trabalho final da disciplina de Telejornalismo I. Espero que gostem :)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Rugas na mão que pede

Essa matéria foi pautada em outubro do ano passado, época em que a gente ainda estava no segundo semestre da faculdade. De início, a ideia era bolar uma reportagem breve pra publicar na não-nascida Revista Panz!, mas, como o projeto não vingou, a matéria ficou só esperando uma boa oportunidade para vir à tona.  O tema surgiu com uma simples observada ao redor. Surgiu de uma realidade incômoda, inconveniente, porém viva.

Rugas na mão que pede

Todos os dias, pessoas vêm e vão pelo bairro do Benfica. Apressadas, atrasadas. Cegas. E nesse vai-e-vem cotidiano, elas não vêem, quase pisam nos idosos que, quietos, com a mão esticada, pedem esmolas pelos sinais. Quando muito, os transeuntes se vêem na obrigação forçada de lhes atirar dez centavos, com o desgosto de ter que ficar sem o troco pra bala.

Nós, do Pauta Dupla, acompanhadas de um grupo de estudantes de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), fomos atrás dessas figuras velhinhas da vida urbana do bairro Benfica, ali bem perto da nossa realidade, nos arredores da reitoria da universidade. Sentamos ao lado deles no meio-fio da calçada e fizemos o que todo mundo parece temer (ignorar, talvez): batemos um papo com eles.

Falamos com a Dona Edite, 85 anos. Basta dar o pôr-do-sol, lá vem ela, apoiada no seu cabo de vassoura e com uma sacolinha debaixo do braço, se encostar pelos muros da UFC e por a mãozinha de esmola em riste.

Dona Edite sentadinha no canto do muro do Centro de Humanidades II da UFC

Ela contou que veio de Ubajara para Fortaleza ainda moça. Aqui, casou-se e teve cinco filhos. Um que “anda por aí no mundo” e que não sabe onde está, um que “pastora carros” e mais três mulheres. Viúva, Dona Edite vive da aposentadoria do marido, que faleceu há algum tempo, e dos cuidados das filhas. “Cuidam assim, né... se tiver de comer elas dão comida”, diz. 

Quando não está pelos arredores do Benfica, ela vai para as igrejas pedir esmola. A do Otávio Bonfim e a da Sé.  “Lá eu fico sentada, aí as pessoas que já são acostumadas comigo, me dão”. Também fala que fica nas ruas porque gosta e que não pensa em ir para abrigo nenhum: detesta fofoca e “zoada de menino”.

Seu maior desejo é ter uma casa só dela, para morar com o filho, que também vive da bondade dos outros, ganhando algumas moedas pelo seu serviço. “Eu gosto dele porque não tem ninguém, igual a mim”. Ela diz que não pretende viver nem mais um ano, que está cansada demais.

Conversamos também com aquele que fica no canteiro em frente à reitoria da UFC, bem na “hora do sol quente”. Seu nome é Raimundo. “Só Raimundo mesmo, desde 8 de agosto de 1941!”, diz solene.

Encabulado, Seu Raimundo "escreve números" no chão

No começo, ficou meio assustado com a abordagem, mas, com pouco tempo, já estava contando sobre o tempo que viveu em Sobral, sua cidade natal, e dos tempos em que “só tinha mato e bicho pelo meio do mundo”. Falou sobre as origens do Benfica, sobre sua mocidade, seu brilho na gafieira e os galanteios de quando era moço.

Raimundo foi feirante e pedreiro. Gostava de fazer trabalho pesado, mas gostava ainda mais de dançar nos bailes da sua mocidade. “Meu chapéu ia pra lá e meus pés pra cá... As meninas ficavam todas apaixonadas!”, relembra com a cabeça baixa e um sorriso cansado.

É analfabeto, mas diz, orgulhoso, que sabe “escrever os números”. De família, tem umas filhas que não sabe onde estão. Fala que, depois de tanto tempo, nem se lembra mais de tudo que aprendeu pelas ruas. Só sabe que não tem sonhos nem maiores desejos. Quer chegar a casa, ficar com sua mulher e pronto. E que não precisa de mais nada, porque tem uns amigos que lhe dão “uns trocadinhos” e tem a proteção de São Francisco. 

E quem melhor para idosos como Seu Raimundo e Dona Edite se apegarem, senão às forças divinas? Quem para lhes dar mais força e esperança? A Lei Federal N°10741, que garante que “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão” seria uma opção?


O Estatuto do Idoso

Segundo dados divulgados pelo IBGE, no decorrer de uma década – de 1999 a 2009 – a quantidade de pessoas com idade acima de 60 anos saltou de 9,1% para 11,3% da população total do Brasil. Isso significa cerca de 21 milhões de idosos. Com o objetivo de garantir a cidadania desses milhões de brasileiros, foi criado o Estatuto do Idoso, que regula seus direitos, assegurados pela Constituição Federal de 1988.

O Estatuto do Idoso, como ficou conhecida a Lei Federal N°10741, foi sancionado em 1° de outubro de 2003, pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Após tramitar cinco anos no Congresso Nacional, o projeto de lei apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS) foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

Para ter acesso ao Estatuto do Idoso na íntegra, clique aqui.


Aí vai uma lista de abrigos para idosos da cidade de Fortaleza:

Lar Torres de Melo
Rua Júlio Pinto, 1832 Jacarecanga – Fortaleza-CE Fortaleza- CE
CEP: 60035-010  Tel: (85) 3281-3362

Irmandade Beneficente da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza
Av João Pessoa, 6600 Parangaba - Fortaleza - CE
CEP: 60425-682 Tel: (85) 3292-9238

Centro de Convivência do Idoso Francisca Firmo Cavalcante Fontoura
Rua Cândido Maia, 245 Antônio Bezerra - Fortaleza - CE
CEP: 60356-830 Tel: (85) 3488-3389

Casa Fraterna São Pio (Toca de Assis)
Rua Francisco Vasconcelos Júnior, 8  Passaré– Fortaleza-CE
CEP 0862-250 Tel: (85)3291-5485 / (85) 3232-5277


Para denunciar casos de maus tratos:
Promotoria de Defesa do Idoso e do Deficiente do Estado do Ceará
Rua Assunção, 1100 - José Bonifácio
Tel: (85) 3452-3756
Disque-denúncia: 0800-850022
Site: http://www.mp.ce.gov.br


Expediente:
Texto: Beatriz C. Ribeiro e Kelviane Lima
Fotografias: Beatriz C. Ribeiro e Kelviane Lima
Produção: Beatriz C. Ribeiro, Felipe Martins, Jefferson Cavalcante e Kelviane Lima

domingo, 18 de dezembro de 2011

Implante de silicone em adolescentes



A partir de que idade é recomendado o implante de silicone nos seios? E quantas adolescentes fazem a cirurgia por ano no Brasil? Essas e outras perguntas são respondidas durante essa reportagem de Kelviane Lima, produzida por Camila Mont'Alverne e Beatriz Ribeiro, para a disciplina de telejornalismo I.


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Um ritual de alegria

Em novembro, eu e a minha amiga Gabriela Custódio acompanhamos uma visita dos voluntários da ONG Risonhos ao Hospital Infantil Albert Sabin, em Fortaleza. Além de acompanhar a visita, fizemos também algumas entrevistas com os integrantes da ONG. Essas entrevistas viraram uma reportagem, escrita para a disciplina de Jornalismo Impresso I, do professor Agostinho Gósson.

Para saber mais sobre a ONG, vocês podem visitar a página deles no facebook clicando aqui. E aí vai o resultado da visita e das entrevistas feitas com os voluntários. As fotos foram tiradas pela Gabriela. Outras imagens desse dia estão publicadas aqui.


Um ritual de alegria
por Alissa Carvalho

Domingo. Novembro de 2011. Cerca de quinze jovens entram no Hospital Infantil Albert Sabin carregando bolsas e sacolas. Por onde passam, cumprimentam guardas, assistentes sociais e enfermeiros. Caminham por vários corredores até chegar a um cantinho escondido no hospital, conhecido como Cidade da Criança. Lá, trocam de roupa. O que antes era camiseta e calça jeans passa a ser macacão com tema infantil e blusa de desenho animado, meia três-quartos e tênis colorido. As caras limpas são pintadas de branco – para esconder a personalidade séria e real, eles dizem – e depois cobertas com tinta colorida. Cada um faz a própria maquiagem, mas eles se ajudam no processo. O toque final é o nariz de palhaço. Fabrício Andrade agora vira “Estilingue” e Monique Souza se torna “Chocolate”. Personagens criados e desenvolvidos durante seis meses, que os voluntários levarão para a vida toda.

Voluntárias se preparando para a visita às crianças internadas no Albert Sabin.

Com o nariz vermelho e a cara pintada, eles ressaltam características que vão desde a maneira exagerada de andar até o tipo físico fora dos padrões da sociedade. É uma forma de estreitar os laços e atrair a atenção das crianças. Esse ritual é repetido pelos jovens todo fim de semana, no Albert Sabin ou na ala infantil do Instituto José Frota (IJF), em Fortaleza. São voluntários da Organização Não Governamental Risonhos, uma das várias que levam alegria a pacientes internados em hospitais e abrigos para idosos na cidade.

Foi na terapia do riso – ou na palhaçoterapia, como define Fabrício (o Estilingue), único estudante de medicina da trupe - que os jovens, em sua maioria estudantes universitários, encontraram uma maneira de levar o que está do lado de fora para as crianças que estão confinadas em ambiente hospitalar. É assim que Bruna Luyza explica o trabalho da “Risonhos”. Voluntária na ONG há um ano, ela não participava da ação naquele dia. Vestida de 'Bruna', nos acompanhava nos corredores do hospital, contando histórias das várias visitas que já fez com a ONG. Segundo ela, com o nariz de palhaço, os voluntários passam a ver as crianças de uma outra maneira. “A gente não vê a doença, só vê a criança. Antes, não acreditava muito quando o pessoal da ONG dizia isso, mas agora eu entendo”. Para Rebeca de Castro, a “Fofuxa”, voluntária desde o início da Risonhos, em 2008, os palhaços perdem o “filtro” entre cérebro e boca. “Se vestir de palhaço é ser simples, é ser livre”, declara.

Antes de começarem as visitas, os voluntários escutam atentamente as instruções, mas sem deixar o bom humor de lado. A principal delas? Não esquecer de lavar as mãos ao entrar em cada quarto. “É para não passar bactérias de um quarto para o outro”, explicam. Equipados com a marreta do sono e brinquedos de bolha de sabão, os agora palhaços estão prontos para o ato do dia. Eles passam a tarde no hospital e, divididos em grupos de três, visitam todas as enfermarias. No Albert Sabin, são quatro, uma por andar, cerca de 130 crianças que são visitadas a cada tarde. A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ainda é um tabu para os voluntários: a visita é permitida, mas eles não se sentem psicologicamente preparados. A ONG, hoje com 42 integrantes, recebe apenas o acompanhamento e a orientação esporádica de outros estudantes de psicologia e serviço social. Ainda estão em busca de alguém que possa dar a eles esse apoio de uma forma permanente.

Fabrício Andrade, o "Estilingue"

Para participar da ONG, é preciso responsabilidade e compromisso. Os voluntários passam por uma “risidência” com duração de seis meses. Nesse período, eles estudam a teoria da terapia do riso, o estatuto do idoso e o da criança e do adolescente (ECA). O treinamento ainda inclui acompanhamento dos voluntários mais antigos durante as ações, além de criar o próprio 'Clown' e aprender a usar o movimento corporal e as expressões faciais para interagir com os pacientes. A roupa e a maquiagem escolhidas, por exemplo, precisam ser adequadas para o ambiente hospitalar, sem intimidar ou assustar a criança. Só podem atuar aqueles que são aprovados durante a “risidência”.

O processo de formação dos novos integrantes foi montado e definido por meio de experimentação. No começo os voluntários entravam na ONG sem nenhum tipo de capacitação. “A gente dá essa capacitação embasados tanto na nossa realidade, no que a gente já viveu, como no que a gente pesquisa e estuda, para que as pessoas entrem com mais conteúdo na ONG. Antigamente, era só dizer 'eu quero ser voluntário' e ia para o hospital, pegava qualquer roupa, se maquiava de qualquer jeito. Hoje, já tem um direcionamento.”, esclarece Rebeca de Castro. Segundo Daniele Marinho, a “Nikita Maria”, os palhaços são preparados, na medida do possível, para lidar com as perdas inevitáveis, a rejeição das crianças e o receio dos pais.
Para Daniele e Rebeca, a humanização ainda não é feita por completo nos hospitais. Um dos motivos, elas afirmam, é a carga de estresse a qual os profissionais são submetidos diariamente. “Você só pode ser humanizador se você trabalha em um ambiente humanizador, e o hospital não é esse tipo de ambiente. O paciente nem é chamado pelo nome, é pela doença, pelo quadro clínico dele”, explica Rebeca. A atitude dos funcionários com relação ao trabalho da ONG também é um problema para os voluntários. “A gente tá tirando o sorriso de uma criança e, de repente, passa uma enfermeira e diz: mostra uma seringa para ela que eu quero ver até onde vai esse sorriso.”

As voluntárias definem o trabalho da ONG como o de transformar o medo das crianças em aceitação. A personagem de Daniele, Nikita Maria, é uma das poucas que usa o temido jaleco de médico. “Uma forma que a gente tem de tirar esse medo é justamente brincar. No meu jaleco, eu sempre trago algum brinquedo no bolso, sempre faço essa alusão: o que eu vou tirar do bolso não é algo que vai machucar a criança, é algo que vai alegrar.” Na brincadeira dos Risonhos, os recursos do hospital se transformam. Uma bolsa de soro pode virar um aquário e até um telefone, o monitor cardíaco vira um rádio ou uma televisão. E é dessa maneira que os palhaços pretendem desconstruir, na mente das crianças, a imagem de medo típica dos hospitais. “O ambiente do hospital é tão frio que a criança acaba relacionando aquilo não a algo que vai ajudar, mas a algo que ela vai ter medo, que vai maltratá-la.”, afirma Daniele. O objetivo, segundo ela, é levar felicidade às crianças mesmo em um momento de doença. “Se ela for esperar ficar boa para perceber que pode ser feliz, a recuperação vai demorar ainda mais”, explica.

Os pais nem sempre aceitam a presença dos voluntários no hospital. Além do medo de infecção – que Daniele conta ser contornado, muitas vezes, apenas por uma conversa entre pais e voluntários – há a visão de que palhaço e doença não combinam. Segundo Rebeca, alguns têm a percepção de que a figura do palhaço os impede de “curtir um luto que ainda nem aconteceu”. O objetivo do ato, ela explica, não é só fazer rir, é também compartilhar a dor. Pais e pacientes precisam saber que não estão sozinhos. “Só de você ir lá e dividir esse peso com a mãe já faz toda a diferença”, afirma Rebeca.


Voluntários da ONG Risonhos no dia da visita ao Albert Sabin

O trabalho da “Risonhos” não fica restrito apenas a ala infantil dos hospitais. No Abrigo para Idosos, uma das casas de repousos de Fortaleza, a atividade é diferente. Lá, eles têm a tarefa simples de ouvir as histórias de quem ainda tem muito para contar, mas já não tem com quem conversar. As visitas no asilo são feitas de cara limpa, pois os idosos não respondem tão bem ao personagem lúdico do universo infantil. Mas isso não significa que as visitas sejam sérias e sem alegria. A tarde no abrigo é passada com jogos de sinuca, festinhas e muita música. “Eles voltam a ser crianças”, conta Rebeca.

Mas não só crianças e idosos têm suas vidas mudadas através da atuação da ONG Risonhos. Segundo Daniele, os próprios voluntários são influenciados pelas situações que presenciam e a atividade que exercem. “Quando se fala em voluntariado, a gente acredita que é algo que se faz para as outras pessoas, mas na verdade é uma troca:você nunca vai ser a mesma pessoa depois que começar a fazer um trabalho como esse”.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Programa "Ciência sem Fronteiras" abre inscrições para intercâmbio acadêmico

Começa hoje (13) o período de inscrições para o programa Ciência sem Fronteiras, promovido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI) em parceria com o Ministério da Educação (MEC). Os destinos das bolsas de Graduação no Exterior ofertadas são Alemanha, Itália, França, Reino Unido e Estados Unidos.

Podem pleitear vagas alunos de graduação em diversas áreas do conhecimento, das Instituições de Ensino Superior (IES) que aderirem ao programa ou por meio de candidatura individual. Ser brasileiro, ter concluído no mínimo 40% e no máximo 80% dos créditos curriculares do curso de graduação e apresentar teste de proficiência no idioma relativo ao país de destino são alguns dos requisitos para participar do programa.

A lista de IES que aderiram ao Ciência sem Fronteiras ainda não foi divulgada, mas as Coordenadorias de Assuntos Internacionais das universidades orientam que os alunos interessados entrem em contato com a coordenação de seus cursos, para obterem mais informações sobre como aderir ao projeto.


Ciência sem Fronteiras
O programa, fomentado pelo CNPq, Capes, Secretarias de Ensino Superior e de Ensino Tecnológico do MEC, busca expandir a pesquisa tecnológica brasileira e promover o contato de graduandos e pós-graduados do país com outros sistemas educacionais competitivos em relação à tecnologia e inovação. Para isso, o projeto possibilita a mobilidade internacional de pesquisadores e profissionais em formação. Estima-se que, até 2015, o Ciência sem Fronteiras disponibilizará cerca de 75 mil bolsas de intercâmbio acadêmico.


Segue a lista de Áreas de estudo que os candidatos devem pertencer para participar do Ciência sem Fronteiras:
  • Engenharias e demais áreas tecnológicas;
  • Ciências Exatas e da Terra;
  • Biologia, Ciências Biomédicas e da Saúde;
  • Computação e Tecnologias da Informação;
  • Tecnologia Aeroespacial;
  • Fármacos;
  • Produção Agrícola Sustentável;
  • Petróleo, Gás e Carvão Mineral;
  • Energias Renováveis;
  • Tecnologia Mineral;
  • Biotecnologia;
  • Nanotecnologia e Novos Materiais;
  • Tecnologias de Prevenção e Mitigação de Desastres Naturais;
  • Biodiversidade e Bioprospecção;
  • Ciências do Mar;
  • Indústria Criativa (arquitetura, design, software, jogos de computadores, publicação eletrônica, publicidade, artes, filme, vídeo, fotografia, música e artes performáticas, televisão, rádio, editoração);
  • Novas Tecnologias de Engenharia Construtiva;
  • Formação de Tecnólogos.

O edital de requerimento de bolsas de intercâmbio está disponível no site http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/graduacao1

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Resenha do filme "Bicho de Sete Cabeças"


Bicho de Sete Cabeças (2000) é um drama brasileiro da diretora e roteirista Laís Bodanzky. Obra instigante, baseada na autobiografia de Austragésilo Carrano, Canto dos Malditos, que nos remete a profundas reflexões acerca da superficialidade de relações familiares e de certas imposições da sociedade e suas implicações no desenvolvimento de mentes insanas.

O filme conta a história de Wilson Neto de Souza (interpretado por Rodrigo Santoro), um adolescente que, por causa das desconfianças do pai de que estaria viciado em drogas, é internado em “clínicas psiquiátricas de reabilitação” e, a partir daí, tem sua rotina, modo de pensar e mesmo condição psicológica completamente alterados pela dura realidade vivenciada lá dentro.

No filme, com muita clareza e eficiência, são enfocadas três questões sociais que são de grande valia na realidade brasileira da atualidade: a relação cada vez mais tênue entre pais e filhos, o uso de drogas e a forma como o sistema cria e, mesmo assim, mantém à margem as pessoas mentalmente deficientes.

Mostra-se a falta de interação entre um adolescente, que naturalmente possui muitas contradições e questões conturbadas na mente, que necessita de contato com alguém mais maduro a lhe guiar, a lhe ouvir, a aconselhar e, de outro lado, um pai pouco tolerante e uma mãe muito frágil que não sabiam como fazê-lo. Na nossa sociedade, esse tipo de relacionamento dentro de casa não é novidade: data desde a colônia patriarcal, quando o “poder” do pai de família era incontestável. No filme, mostra-se que o aparente jeito “rebelde” da personagem principal no início da trama e até mesmo o fato de ele ter sido internado decorrem exatamente dessa impossibilidade de desenvolvimento de um relacionamento mais próximo, principalmente, com seu pai.

O momento que mais marca esse ponto no filme é quando a personagem Neto (Rodrigo Santoro) fala para o pai (Othon Bastos) que vai viajar e, depois do “interrogatório” e de mais uma discussão exaltada, ele empurra o pai, que ameaçava batê-lo, e foge correndo. A montagem, o movimento da câmera, a trilha sonora encaixados na cena em que ele corre à toda velocidade, enchem-na de significação: é como se o garoto fugisse não só do pai naquele momento, mas das brigas, das obrigações, da pressão em que vivia dentro da própria casa, sob a vigilância autoritária do pai.

O outro tema que entra em discussão em Bicho de Sete Cabeças é a questão do sistema manicomial brasileiro e de uma parcela da sociedade que, pela exclusão, foi afetada e que, afetada, é ainda pior tratada: os “loucos”.

Quanto ao enfoque, observa-se algo de inovador, por se tratar de um tema pouco discutido numa sociedade que ainda é muito preconceituosa e omissa em relação ao assunto. No decorrer da trama, mostra-se como os “loucos” chegam a ser internados, o quanto eles vivem oprimidos em tais “guetos” nos quais são jogados e como lidam e, basicamente, “se viram” para sobreviver à tão baixa qualidade de vida. Ao se deparar com cenas chocantes da realidade crua dos manicômios – constantemente eufemizados em “clínicas psiquiátricas” – é como se se despertasse para essa questão.

É mostrado no filme o modo com que os internos interagem e criam vínculos entre si. Essa foi uma maneira que a diretora encontrou de transmitir uma ideia de humanidade, foi uma forma de mostrar que os internos, sejam eles loucos, viciados ou não, também são pessoas, vivem em grupo, discutindo entre si suas questões, formando laços afetivos, tendo eles noção de seu espaço na sociedade ou não. As personagens de Gero Camilo (interno Ceará) e Caco Ciocler (interno Rogério), com os quais a personagem principal se depara no manicômio e com elas interage, desempenham papéis muito importantes na construção dessa idéia, mostrando-se carentes de conversa, de brincadeiras em grupo e propensos a empatias e afeições. A interpretação dos dois, em especial a de Gero, foi magnífica e plenamente digna receber prêmios importantes como os de Melhor Ator Coadjuvante no 3º Festival de Brasília (2000) e no 5º Festival do Recife (2001), e de ter se tornado referência ao próprio filme como se tornou.

A montagem das cenas e a trilha sonora entram em perfeita harmonia, tornando-se complementares na construção significativa dos momentos do filme. Movimentos de câmera inusitados, com momentos de câmera subjetiva, cortes abruptos e distorções acompanham a ideia de loucura, perturbação mental, e fazem com que quem assiste ao filme se sinta mais sensibilizado e próximo à realidade da personagem principal.

Numa análise ao conteúdo do filme, a professora associada do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, Mary Enice Ramalho, afirma que são abordados “temas tratados com a sensibilidade e a maturidade que o cinema brasileiro merecia. Laís Bodanzky consegue uma narrativa segura, direta e forte”. Sem sombra de dúvidas, foi essa “sensibilidade” citada pela professora da USP, que, aplicada a tal tema polêmico - de forma cuidadosa, mas, ainda assim, “madura e direta” -, consagrou o filme Bicho de Sete Cabeças como uma grande obra contemporânea do cinema brasileiro.

A diretora

Laís Bodanzky, desde sua primeira obra - o curta Cartão Vermelho (1994), que traz como temática a descoberta da sexualidade entre crianças – demonstra uma facilidade em usar de temáticas polêmicas, construindo-as de forma cuidadosa, algumas vezes até leve e descontraída, porém direta e clara. No seu filme mais atual - As Melhores Coisas do Mundo (2010) – Laís, já com uma filmografia consagrada por obras como Bicho de Sete Cabeças (2001) e Chega de Saudade (2007), volta a tratar de um tema altamente discutido: a adolescência e suas questões sexuais, sociais, amorosas. Primorosa nesse tipo de abordagem, Laís Bodanzky traz a marca da universalidade e da maturidade aos seus trabalhos, marcas essas que lhe renderam importantes prêmios como os de Melhor Direção no Grande Prêmio BR de Cinema Brasileiro, no Festival de Recife e no Festival de Brasília.


Sistema manicomial: questão de ordem e de progresso?

A implantação de um sistema de clínicas psiquiátricas no Brasil não é atual: veio com a família real portuguesa no início do século XIX, com pretexto de “organizar a vida urbana e disciplinar a sociedade como um todo”. Apesar de esse uso do conceito “disciplina” apresentar-se sob forma de exclusão social, torturas físicas e violação de outros direitos humanos, as discussões acerca do assunto são relativamente atuais. Inspirado na luta do ativista italiano Franco Basaglia contra a violência dos “tratamentos psiquiátricos” no seu país, no fim da década de 70, o Movimento na Luta Aintimanicomial brasileiro conseguiu como primeiro resultado favorável e de alcance nacional: a sanção da Lei da Reforma Psiquiátrica de 6 de abril de 2001, que, dentre outras medidas, torna obrigatória a comunicação oficial de internações feitas contra a vontade do paciente. Mesmo com isso, esse tema continua sendo quantitativamente pouco representado, visto que é um grupo pequeno de ativistas em prol da causa contra todo um sistema de “disciplina, organização e cura” que ainda aparenta convencer e alienar a população brasileira.


Veja um trecho do filme Bicho de Sete Cabeças:





Referências bibliográficas:

BASAGLIA, F. (Org.). A Instituição Negada - Relato de um Hospital Psiquiátrico. Rio de Janeiro: Graal, 1991.

RAMALHO, Mary Enice. Bicho de Sete Cabeças – um grito de alerta. In: Comunicação & Educação, pp. 91-93, Jan/Abr 2002

http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/bicho-de-7-cabecas/bicho-de-7-cabecas.asp
http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=23

http://www.sobaminhalente.com

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Esse blog pra quê?

Somos estudantes de Jornalismo e, como tal, temos aquela incapacidade de nos omitirmos diante de certos assuntos. Por meio desse blog, pretendemos descomplicar - quiçá relatar com precisão - fatos diversos sobre as tantas realidades desse mundão de meu Deus, desse Brasil de 8.514.876,599 quilômetros quadrados, desse Ceará nordestino.

Cada uma com suas temáticas favoritas - a Alissa é mais voltada para esportes e política, eu, para casos envolvendo direitos humanos e literatura -, pretendemos abordar fatos curiosos, acontecimentos históricos, realidades invisíveis, aquelas que estão bem na nossa frente, mas que normalmente nem notamos, ignoramos. A ideia é que falemos daquilo que instiga nossa curiosidade e do que gostamos, para que possamos transmitir com paixão a técnica e a estrutura do Jornalismo.

Além de notícias, reportagens, artigos de opinião, enfim, de uma abordagem mais jornalística, disponibilizaremos também alguns trabalhos acadêmicos de nossa autoria, dentre eles artigos científicos, resenhas de filmes e livros, projetos fotográficos e outros mais.

Precisamos ser ouvidas, precisamos informar, opinar, fazer saber. Nesse "webcaderno" lidaremos com o mundo de informações que temos nas mãos. O objetivo é desenvolver nossa "caligrafia técnica" e contribuir com o Jornalismo via Internet.