Outra pauta que faria parte da edição zero da Revista Panz! é essa
entrevista com o cartunista cearense Mino. Ele é o criador do
Capitão Rapadura, um legítimo super-herói brasileiro, e, além de
cartunista, é pintor, artista plástico, poeta, ilustrador e autor
de histórias e contos infantis. Hoje, Mino edita a “Rivista”,
uma publicação mensal lançado pela editora do cartunista, a Riso,
e distribuída em colégios cearenses.
A entrevista foi feita por mim, pelo Pedro Brandão, o Carlitos Pinheiro, o Murilo Viana e a Gabriela Custódio, que também tirou as fotos. Conversamos com o Mino por cerca de duas horas. A entrevista ficou
extensa e, por isso, será dividida em três partes. Nessa primeira
parte, ele fala sobre alguns momentos do início da carreira, do
trabalho com os criadores do jornal O Pasquim, da sua obra mais
querida e do momento atual do humor brasileiro.
Panz! - Dessa sua carreira bastante extensa, qual é o momento
que o senhor lembra com mais carinho?
Mino - Foram momentos tão diferentes. Teve um momento
maravilhoso, vocês não tinham nem nascido ainda, eu acho, foi um
programa chamado Flávio Cavalcante. Era um programa tipo o Sílvio
Santos, mas com uma audiência única, de peso realmente, todo mundo
tava ligado naquele programa. Ele fazia muita coisa. Uma dessas que
ele fez foi um concurso nacional chamado Fora de Série, e cada
estado tinha que apresentar uma coisa fora de série. O pessoal aqui
da TV Ceará., João Ramos, Guilherme Neto, esse pessoal todo, eles
resolveram me colocar como fora de série, porque eu desenhava em
tempo real no noticiário, que era o Jornal Nacional da época,
chamado Repórter Cruzeiro. Não tinha nada gravado, tudo era ao
vivo. Eu ficava perto da prancheta, com papel, pincelzinho atômico
na mão. E tinha um roteiro, então eu sabia o que o locutor estava
falando e ficava acompanhando. Quando chegava na minha parte, eu
sabia que o assunto que você ia falar era esse, então eu já me
preparava. Quando você começava a falar, eu começava a desenhar um
cartum de acordo com o que você tava falando. Quando houve esse
concurso nacional, eles me colocaram pra desenhar, porque eu
desenhava rápido, não chegava nem a um minuto. Então eu fui lá,
era a primeira vez em cadeia nacional. Comecei a desenhar os jurados,
para puxar o saco, desenhava de um por um. Teve uma hora que eu fiz
um desenho que eles não entenderam. Eu fiz um desenho de cabeça
para baixo. Aí disseram: mas que desenho é esse? Eu virei o desenho
pra cima e era do Erlon Chaves, que era o maestro do Flávio
Cavalcante. Eu ganhei esse concurso. Foi um momento muito importante,
porque o Ceará tava todo torcendo nessa época. Foi muito
gratificante.
O segundo grande momento foi com o Pasquim, quando eu comecei a me
entrosar com o pessoal do Pasquim e os trouxe pra Fortaleza em 1972.
Fizemos a Feira da Comunicação, que foi um negócio espetacular,
não vale nem a pena falar aqui porque foi grande demais, um
espetáculo mesmo. Se vocês pegarem os arquivos de jornais de 72,
vão ver que nunca houve um espaço tão grande na imprensa cearense
para um evento. Naquele tempo, toda a imprensa colaborou. Ela se
abriu mesmo, dava página inteira, fazia tudo. Porque era o seguinte:
tudo o que fosse comunicação entrava nessa feira. Tudo. Corpo de
bombeiro, por causa da sirene, trânsito, logotipo, logomarca de
empresa, locutor, sino. Tudo entrava, inclusive dança, que era uma
forma de se comunicar. Foi espetacular esse momento. Porque o Pasquim
conheceu um nordeste que o sul não conhecia. Ziraldo ficou encantado
com duas coisas: primeiro com o céu, disse que nunca tinha visto um
céu tão azul. Azul ecoline, que era a tinta que ele gosta de
usar. E realmente o azul do céu cearense é um azul ecoline
mesmo; e a pobreza limpa. Eles foram caminhar na praia, e naquele
tempo ali na beira-mar não tinha esses prédios, era um caminhozinho
limpo. E eles se perderam por ali, foram ficar na casa dos
pescadores, aquela coisa toda. E voltaram impressionados. Pediam
água, vinha aquele copo de alumínio bem ariadozinho, água
cheirosa, aquela coisa toda. Ele disse que era a pobreza mais limpa
do Brasil. De 72 pra cá, transformou-se nessa miséria.
A terceira coisa foi o “plim-plim” da Globo, as vinhetas. Foi
até resultado, inclusive, desses amigos do próprio Pasquim, que
vieram aqui, o Miguel Paiva e tudo mais. Quando eles estavam
compondo, na direção da globo, a ideia de fazer as vinhetinhas, me
chamaram.
E outra coisa coisa mais eram os salões que de vez em quando eu
entrava, tirava uma participação, primeiro lugar, segundo,
terceiro, menção honrosa, sempre emplacava alguma coisa. Eu não
fazia humor no Ceará, eu não fazia cartuns. Eu fazia charges pros
jornais, que eu deixei de fazer porque achei a coisa mais besta do
mundo depois. E aí eu participava dos salões. Onde tinha um salão
eu tava entrando. Tanto que agora teve uma comemoração lá em
Piracicaba, e eu entrei na categoria dos ratos de salão, aqueles que
estavam sempre nos salões, sabe? Era o entusiasmo da gente em querer
participar. Hoje eu não tenho mais coragem. Porque os cartuns dos
meninos que se especializaram em participar dos salões é um nível
que você não pode imaginar, um negócio fantástico.
Panz! - E qual é a obra que o senhor gosta mais?
Mino - Tem um livrinho chamado O menino iluminado. Para
mim, ele tem uma importância social muito grande porque ele é um
livro altamente espiritualizado sem ser, entre aspas, religioso,
embora ele seja religioso. Mas ele não tem aquela conotação de
você pegar e “ah, é um livro evangélico, um livro católico,
budista”. Tá tudo junto. É a história de um menino que quer ver
Deus e começa a fazer esse questionamento para o pai, para a mãe. É
baseado em várias histórias. Eu me lembro do Ariano Suassuna. Uma
vez perguntaram a ele muito tempo atrás, quando ele fez O Auto da
Compadecida, e começaram a citar pra ele dizendo: “ah, mas você
tirou isso aqui, isso aqui é de um trecho lá num sei da onde, de
uma peça tal, esse outro trecho que você usa aqui faz parte de um
cordel num sei da onde”. Aí ele disse: “exatamente, eu não fiz
nada”. Com aquele jeitão dele. “Eu fiz uma coisa só, eu fiz a
peça. Eu dei um ordenamento naquilo, nada disso aí é meu.” E
essa história d'O Menino Iluminado, apesar de ser uma coisa ingênua,
você vê pelo traço infantil, ele é uma história que uma tia
minha que me botava pra dormir me contava. Um tempo depois eu fui
para uma fazenda e conheci um cara maravilhoso, um cara do campo, que
me contou uma história que era a mesma história com outra roupagem,
com esse português do campo. E aí depois com a influência do
Ziraldo, com esse negócio de Menino Maluquinho, com essa fase do
Ziraldo de literatura infantil, eu disse: eu só posso contar essa
história se botar num contexto atual. Aí a descoberta do contexto
foi botar um menino que pergunta aos pais o que é que ele pode fazer
pra ver Deus. E aí começa essa questionamento. E o arremate, que eu
não vou dizer pra vocês, realmente, é um livro de 8 minutos apenas
de leitura, o arremate é fantástico. Faz a pessoa compreender
livros e livros de filosofia, e até mesmo de livros religiosos,
porque acaba sendo uma resenha simples do que é ver Deus, a essência
da religião. Então é um livro que a história não é minha. Não
tem literatura, não tem desenhos espetaculares, ele é bem simples.
Não tem humor. Ele é destituído de humor. É um livro infantil
feito para um pai ler para o filho, para um menino de qualquer idade
já ler sozinho.
Panz! - Falando agora de forma mais geral do humor brasileiro,
a gente queria saber qual é a avaliação que o senhor faz desse
humor que está sendo construído hoje?
Mino - Com a saída do Chico Anysio e da velha guarda, eu
senti muito. Porque, por exemplo, o pessoal do Casseta&Planeta,
apesar de serem supercriativos e interessantes, talvez por
representarem a nova geração, eu não sou aquele fanático. Se
tiver passando, eu paro um pouquinho pra ver, mas aquilo não me dá
aquela coisa da risada, aquela coisa que vem de dentro e você ri por
uma besteira qualquer. O Sai de Baixo, que tinha o Tom Cavalcante, o
Miguel Falabella, aquele ali já me dava, porque evocava uma coisa
antiga. Já era uma coisa baseada na Família Trapo, com o Golias. Já
vinha de lá, daquele humor teatral, aquela coisa, com algumas
apelações, mas nem sempre a apelação em primeiro lugar. E o
Casseta eu achava assim uma coisa meio agressiva, metralhadora para
todos os lados.
Como o humor daqui do Ceará também, que eu vi quando ele tava
nascendo, com a Raimundinha, que foi o primeiro. Depois começou o
escracho, escracho, escracho. Eu já não queria mais ir aos shows,
porque de repente eles podiam vir de lá e brincar com a platéia, e
eu sou tímido e não gosto de ficar com brincadeira. Aí eu ficava
lá atrás, aquela coisa toda, né. E depois eu fui esperando que
eles crescessem em coisas mais engraçadas, mas não, eles
continuaram com a mesma linguagem. E eu tenho impressão que eles
estão num estágio que eles não tão crescendo por falta de, vamos
dizer assim, talvez da própria emissora em que eles trabalhem, sabe.
Porque com o talento que eles têm, tanto na parte de humor, como na
parte de atuação, que eles são fantásticos.
Eu acho que, se o cearense fizesse
novela, e não imitasse o padrão Globo, quer dizer, se não tivesse
a mesma imitação que eles fazem aqui quando fazem o noticiário,
que não tem diferença, é o padrão Globo mesmo. Teriam grandes
novelas, teriam grandes teatros. E aí o meio, ele sufoca isso. Vou
dar um exemplo do próprio mercado cearense, que enche o teatro
quando vem uma peça de fora, e quando é uma peça local é um
sacrifício, agora que tá melhorando um pouco, que a imprensa
antigamente não dava importância... o Ricardo Guilherme diz
que a nossa cultura é uma cultura de frente pro mar, quer dizer,
você tá sempre esperando as coisas de fora, dando valor as coisas
de fora e dando as costas pra cultura local.
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