Lançado
em 2006, o drama Babel, parceria
entre o diretor Alejandro Gonzales Iñarritu e o roteirista Guillermo
Arriaga, ambos mexicanos, pode ser relacionado a conceitos como
globalização, identidade, comunicação e cultura, sob a ótica dos
estudos culturais.
Contada
de maneira não linear, a trama envolve quatro “núcleos”, cujas
histórias são interdependentes, e se passa em quatro países. O
chefe de uma família marroquina compra, de um de seus vizinhos, um
rifle que fica a cuidado de seus filhos para que possam proteger o
rebanho dos chacais que rondam a região. Richard e Susan, um casal
de americanos que recentemente havia perdido o filho mais novo, faz
parte de um grupo de turistas que visita o Marrocos. Os irmãos
marroquinos, enquanto cuidam do rebanho da família, acabam por
atirar contra o ônibus em que o casal estava, e a bala atinge Susan.
Os filhos do casal ficaram nos Estados Unidos, sendo cuidados pela
babá mexicana, que os leva, sem a permissão dos pais, para o
México. No Japão, um pai, antigo dono do rifle que agora pertence à
família marroquina, enfrenta problemas de relacionamento com a
filha, uma adolescente surda.
Os
pesquisadores dos estudos culturais analisam como diversos grupos se
comportam em relação a cultura dominante e diante do encontro com o
outro, que faz parte de uma cultura diferente. Essa relação está
presente no filme, sendo a cultura americana a hegemônica e a que
exerce maior influência sobre as demais. Um exemplo disso é o fato
de o casal americano pedir coca-cola, uma bebida tipicamente
americana, mas já globalizada, no Marrocos. Outro exemplo de cultura
como objeto de poder e da superioridade da cultura americana pode ser
observado no tratamento dado pelas autoridades policiais à babá
mexicana e aos marroquinos. Essas situações levantam
questionamentos: e se fosse uma babá americana? E se a bala tivesse
atingido outra pessoa, e não uma turista americana? A ação da
polícia teria sido a mesma?
O
preconceito cultural também é uma temática tratada no filme. Os
turistas estrangeiros têm medo de permanecer em uma pequena vila do
Marrocos, estão lá apenas para “ver de longe”. As crianças
americanas ouviram da mãe que o México é um país perigoso. Essa é
uma questão representada pela frase de Gustavo Lins Ribeiro, ao
falar sobre a relação entre brancos e afro-americanos: “incorporo
sua música, mas não se case com minha filha”. Teoricamente, a
globalização diminui as fronteiras. Na prática, e é o que o filme
nos mostra, essas fronteiras ainda permanecem fortes, pelo menos
culturalmente.
Para
Néstor Garcia Canclini, a cultura é resultado de miscigenações e
modificações que ocorrem ao longo da história. Essa hibridação é
potencializada pela globalização, processo desigual e que, embora
não seja considerado recente, fica mais aberto e misto com o passar
do tempo. Canclini e Stuart Hall personificam a hibridação cultural
nos cidadãos de fronteira e nos imigrantes. Em Babel, Amélia,
a babá mexicana, é a personagem que representa a situação de
milhões de pessoas pelo mundo, que recebem influências das mais
diversas culturas. Após 16 anos vivendo nos Estados Unidos, Amélia
mostra que criou uma identidade americana, aparente nos argumentos
que utiliza ao implorar ao policial que não a deporte. Não a
consideram, porém, como uma legítima cidadã americana. A
identidade dela é dividida. Suas referências não são
exclusivamente mexicanas. No caso de Amélia, a fragmentação da
identidade foi motivada pela desterritorialização. A construção
da identidade não depende mais apenas do território geográfico. As
referências culturais são também fatores dessa construção. Para
Hall, essa fragmentação é ainda reflexo da pós-modernidade.
O
nome do filme pode ser entendido como uma referência a Torre de
Babel, metáfora para os problemas de comunicação interpessoal, em
que a linguagem não é principal barreira e que tem papel central na
trama. No Japão, pai e filha não se entendem, e a surdez da
adolescente não é o único motivo: a relação entre os dois ficou
prejudicada depois do suicídio da mãe. A comunicação entre a
garota e as amigas é apresentada, além da interação entre
elas, que têm uma linguagem própria, e os garotos que não são
surdos. A tecnologia a serviço da comunicação também está
presente nesse “núcleo”, na cena em que a garota se comunica com
uma amiga por uma espécie de webcam. A falta de diálogo
entre o casal americano, que viaja para salvar o relacionamento,
também é uma das questões do filme.
A
comunicação de massa, embora não seja tão enfatizada, está
presente como plano de fundo. Em algumas cenas, os personagens
assistem a telejornais que noticiam o acontecimento – a turista
americana ferida no Marrocos -, mas sempre pelo lado americano do
fato, chegando até mesmo a cogitar a hipótese de
terrorismo. “Afinal de contas, a ideologização impediu que
se interrogasse qualquer outra coisa nos processos além dos rastros
do dominador. Nunca os do dominado, e muito menos os do conflito.”
(MARTÍN-BARBERO, 2001, p. 291).
O
conceito de globalização em Babel pode ser
percebido no simples fato de o filme ser baseado na interdependência
de acontecimentos e pessoas de diferentes partes do mundo.
Percebemos, porém, que a globalização não é um processo
unificado. Enquanto somos apresentados à vida simples de um pequeno
vilarejo no Marrocos, o filme também nos mostra o uso da tecnologia
avançada no Japão. O conceito de globalização - ou de
ocidentalização, já a influência americana no oriente é marcada
na trama - também está presente em detalhes: a coca-cola no
Marrocos, o rifle, que provavelmente não era de fabricação
japonesa, com o qual o caçador japonês presentou o guia marroquino
e até no fato de o filme ser uma produção hollywoodiana com
direção mexicana.
Referências
CANCLINI,
Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar
e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2003.
HALL,
Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio
de Janeiro: DP&A, 2001.
MARTÍN-BARBERO,
Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
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