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sábado, 19 de maio de 2012

Resenha do filme "Sentidos do Amor"


Escrevi a resenha como exercício para a disciplina Jornalismo Impresso II, ministrada pelo professor Ronaldo Salgado.

Sentidos do Amor vai além do “drama-casalzinho”
Beatriz Costa Ribeiro

As sutilezas intimistas do drama romântico e a universalização agressiva da ficção científica. Em Sentidos do Amor (Perfect Sense, 2011, BBC Films/Zentropa Entertainments/Sigma Films, 92 minutos), a variedade de gêneros dialoga e se entrelaça. O filme, do diretor escocês David MacKenzie, estreou no dia 07 de outubro em apenas 59 salas de cinema do Reino Unido. A proposta audaciosa, premiada no 2011 Sundance Film Festival, atiçou a curiosidade do público, arrecadando mais de 21 mil euros no fim de semana em que foi lançado.

Sentidos do Amor conta a história de duas pessoas de personalidades muito diferentes que se apaixonam durante um episódio em que, nos quatro cantos da Terra, uma misteriosa epidemia vai se espalhando. No começo, as pessoas têm uma repentina crise de angústia, seguida da perda do olfato. Depois, um surto de desespero e uma fome descabida introduzem a perda de mais um sentido: o paladar. Num momento de fúria, as pessoas perdem, então, a audição. Por fim, com o cenário mundial devastado, o último surto psicológico mergulha as pessoas num sentimento de paz, perdão, amor, e então elas perdem a visão. É nesse contexto que a cética epidemiologista Susan (Eva Green) e o chefe de cozinha bon vivant Michael (Ewan McGregor) aprendem, juntos, a se compartilhar e a lidar com a luta diária pela continuidade da vida.

O drama transbordante e o amor romântico com passagens de erotismo nos transportam para uma obra anterior do mesmo diretor, Pecados Ardentes (Young Adam, 2003). Ewan McGregor, que interpreta o personagem central em ambos os filmes, mantém a facilidade de transmitir o desespero contido e a confusão, abusando de cenhos franzidos e lábios crispados. Em Sentidos do Amor, o ator encarna o personagem com maestria e “vive” cada momento de amor, desespero, raiva, conformismo, tudo em medidas certas de exageros e contenções expressivas. Eva Green se permite lançar alguns belos sorrisos e muitos olhares cortantes, o que a enquadra numa boa performance dramática. Apesar disso, a atriz não desempenha um papel mais que “razoável” quando se trata das demandas teatrais, em cenas como as dos surtos psicóticos, em que cada expressão e movimento contam pontos.

A construção imagética da trama dramático-romântica dentro do contexto apocalíptico da ficção científica é de extrema sensibilidade. Considerando que se trata de uma obra em 2D, que conta somente com apelos visuais e sonoros, representar a presença e – principalmente – a perda repentina de sentidos não é tarefa fácil. MacKenzie, porém, desempenha-a com sucesso, usando de técnicas criativas de sequenciação e enquadramento. Cortes de áudio, vídeo embaçado, planos superaproximados, close-ups na boca que mastiga sem sentir gosto, no nariz que inspira sem sentir cheiro, transmitem uma percepção estendida não somente das etapas da “doença” em si, mas principalmente do resultado que elas vão causando gradativamente no modo que as pessoas percebem o mundo e lidam com a vida e as pessoas que lhes restam.

A temática “apocalíptico-epidêmica” conduz a compreensão da trama como romance e como drama, nunca se sobrepondo ou se reduzindo perante o núcleo principal - nesse caso, Susan e Michael. A história do par romântico, porém, não é “egoísta”, superexplorada, alheia aos acontecimentos do mundo que os rodeia. Cenas em sequência nervosa, nas quais personagens sem nome de vários lugares do planeta vão sendo atingidos pela epidemia, guiam a percepção da dimensão do acontecimento como um todo. Essas cenas são, ao mesmo tempo, elemento relevante para compreender a complexidade do momento em que se desenvolve a história de amor.

O jogo com o significado da perda dos sentidos deu origem a uma obra sensível em sua essência. Sentidos do Amor nos distancia de divagações superficiais quanto ao temor de não ver, não ouvir, não sentir gosto ou cheiro, aproximando-nos de reflexões sobre sentimentos mais complexos, como o amor à vida e ao próximo. Profundo, belo e arrepiante. Adorá-lo faz todo o sentido.


Veja o trailer:

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A Lei Azeredo e o controle da Internet


Segundo o Projeto de Lei (PL) 84/99, que está prestes a ser aprovado, é crime acessar sem autorização um sistema informatizado protegido por restrição de acesso, inserir ou difundir código malicioso – isto é, “qualquer sistema desenvolvido para executar ações danosas ou obter dados ou informações de forma indevida” – ou vírus em sistema informatizado, dentre outras ações que atentem contra a privacidade de dados e documentos eletrônicos. O PL é conhecido popularmente por Lei Azeredo – em referência ao deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG), enfático defensor da matéria. Já para ativistas da internet livre, a alcunha mais adequada ao PL é AI-5 Digital. AI-5, aquele da ditadura... da censura.

Mas censura? A palavra é forte. Exagerada, talvez. Mas será que as críticas negativas ao projeto são só empolgação anarquista de um bando de “hackers” desocupados? No discurso maravilhoso de Azeredo, o Estado vai atuar quase como um ciber-xerife de faroeste, capturando e punindo ladrões de senhas, criadores e distribuidores de vírus, invasores de sistemas restritos, enfim, salafrários que perturbam a paz do ciberespaço. O que não é de todo péssimo. Alguns atos devem sim ser punidos.

Mas pairam dúvidas quanto à suposta “proteção força total” do PL. Os defensores da internet livre levantam questões que devem ser avaliadas antes de se adotar qualquer posição precipitada/utópica. Primeiro de tudo: será que estamos diante da eminência de um “vigilantismo digital” por parte do Estado, a ser pouco a pouco reforçado por meio de instrumentos constitucionais complementares a tal Lei Azeredo? Vão vigiar meu histórico de atividades na Internet? Até que ponto a lei vai poder distinguir o criminoso, com a força da palavra, do internauta comum que cotidianamente baixa músicas e compartilha arquivos, sem pretensão de lucrar e sem “más intenções”?

A possibilidade de um tipo de “controle obsessivo” por parte do governo brasileiro no ciberespaço embaralha totalmente os conceitos de liberdade de expressão, compartilhamento e interação tão aclamados na Internet. Não adianta aprovar a lei que diz o que fazer com o ciber-criminoso e o que não pode fazer no mundo virtual. Antes disso, deve-se definir os direitos e deveres de usuários e provedores. Falar de punição antes de falar de direitos e deveres não faz sentido.



Referências:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=15028
http://www.cartacapital.com.br/politica/o-ai-5-digital
http://blogs.estadao.com.br/link/comissao-discutira-lei-azeredo/