quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

"Babel" sob a ótica dos estudos culturais



 Lançado em 2006, o drama Babel, parceria entre o diretor Alejandro Gonzales Iñarritu e o roteirista Guillermo Arriaga, ambos mexicanos, pode ser relacionado a conceitos como globalização, identidade, comunicação e cultura, sob a ótica dos estudos culturais.

Contada de maneira não linear, a trama envolve quatro “núcleos”, cujas histórias são interdependentes, e se passa em quatro países. O chefe de uma família marroquina compra, de um de seus vizinhos, um rifle que fica a cuidado de seus filhos para que possam proteger o rebanho dos chacais que rondam a região. Richard e Susan, um casal de americanos que recentemente havia perdido o filho mais novo, faz parte de um grupo de turistas que visita o Marrocos. Os irmãos marroquinos, enquanto cuidam do rebanho da família, acabam por atirar contra o ônibus em que o casal estava, e a bala atinge Susan. Os filhos do casal ficaram nos Estados Unidos, sendo cuidados pela babá mexicana, que os leva, sem a permissão dos pais, para o México. No Japão, um pai, antigo dono do rifle que agora pertence à família marroquina, enfrenta problemas de relacionamento com a filha, uma adolescente surda.

Os pesquisadores dos estudos culturais analisam como diversos grupos se comportam em relação a cultura dominante e diante do encontro com o outro, que faz parte de uma cultura diferente. Essa relação está presente no filme, sendo a cultura americana a hegemônica e a que exerce maior influência sobre as demais. Um exemplo disso é o fato de o casal americano pedir coca-cola, uma bebida tipicamente americana, mas já globalizada, no Marrocos. Outro exemplo de cultura como objeto de poder e da superioridade da cultura americana pode ser observado no tratamento dado pelas autoridades policiais à babá mexicana e aos marroquinos. Essas situações levantam questionamentos: e se fosse uma babá americana? E se a bala tivesse atingido outra pessoa, e não uma turista americana? A ação da polícia teria sido a mesma?

O preconceito cultural também é uma temática tratada no filme. Os turistas estrangeiros têm medo de permanecer em uma pequena vila do Marrocos, estão lá apenas para “ver de longe”. As crianças americanas ouviram da mãe que o México é um país perigoso. Essa é uma questão representada pela frase de Gustavo Lins Ribeiro, ao falar sobre a relação entre brancos e afro-americanos: “incorporo sua música, mas não se case com minha filha”. Teoricamente, a globalização diminui as fronteiras. Na prática, e é o que o filme nos mostra, essas fronteiras ainda permanecem fortes, pelo menos culturalmente.

Para Néstor Garcia Canclini, a cultura é resultado de miscigenações e modificações que ocorrem ao longo da história. Essa hibridação é potencializada pela globalização, processo desigual e que, embora não seja considerado recente, fica mais aberto e misto com o passar do tempo. Canclini e Stuart Hall personificam a hibridação cultural nos cidadãos de fronteira e nos imigrantes. Em Babel, Amélia, a babá mexicana, é a personagem que representa a situação de milhões de pessoas pelo mundo, que recebem influências das mais diversas culturas. Após 16 anos vivendo nos Estados Unidos, Amélia mostra que criou uma identidade americana, aparente nos argumentos que utiliza ao implorar ao policial que não a deporte. Não a consideram, porém, como uma legítima cidadã americana. A identidade dela é dividida. Suas referências não são exclusivamente mexicanas. No caso de Amélia, a fragmentação da identidade foi motivada pela desterritorialização. A construção da identidade não depende mais apenas do território geográfico. As referências culturais são também fatores dessa construção. Para Hall, essa fragmentação é ainda reflexo da pós-modernidade.

O nome do filme pode ser entendido como uma referência a Torre de Babel, metáfora para os problemas de comunicação interpessoal, em que a linguagem não é principal barreira e que tem papel central na trama. No Japão, pai e filha não se entendem, e a surdez da adolescente não é o único motivo: a relação entre os dois ficou prejudicada depois do suicídio da mãe. A comunicação entre a garota e as amigas é apresentada,  além da interação entre elas, que têm uma linguagem própria, e os garotos que não são surdos. A tecnologia a serviço da comunicação também está presente nesse “núcleo”, na cena em que a garota se comunica com uma amiga por uma espécie de webcam. A falta de diálogo entre o casal americano, que viaja para salvar o relacionamento, também é uma das questões do filme.

A comunicação de massa, embora não seja tão enfatizada, está presente como plano de fundo. Em algumas cenas, os personagens assistem a telejornais que noticiam o acontecimento – a turista americana ferida no Marrocos -, mas sempre pelo lado americano do fato, chegando até mesmo a cogitar a hipótese de terrorismo. “Afinal de contas, a ideologização impediu que se interrogasse qualquer outra coisa nos processos além dos rastros do dominador. Nunca os do dominado, e muito menos os do conflito.” (MARTÍN-BARBERO, 2001, p. 291).

O conceito de globalização em Babel pode ser percebido no simples fato de o filme ser baseado na interdependência de acontecimentos e pessoas de diferentes partes do mundo. Percebemos, porém, que a globalização não é um processo unificado. Enquanto somos apresentados à vida simples de um pequeno vilarejo no Marrocos, o filme também nos mostra o uso da tecnologia avançada no Japão. O conceito de globalização - ou de ocidentalização, já a influência americana no oriente é marcada na trama - também está presente em detalhes: a coca-cola no Marrocos, o rifle, que provavelmente não era de fabricação japonesa, com o qual o caçador japonês presentou o guia marroquino e até no fato de o filme ser uma produção hollywoodiana com direção mexicana. 

Referências
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.


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