quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Um ritual de alegria

Em novembro, eu e a minha amiga Gabriela Custódio acompanhamos uma visita dos voluntários da ONG Risonhos ao Hospital Infantil Albert Sabin, em Fortaleza. Além de acompanhar a visita, fizemos também algumas entrevistas com os integrantes da ONG. Essas entrevistas viraram uma reportagem, escrita para a disciplina de Jornalismo Impresso I, do professor Agostinho Gósson.

Para saber mais sobre a ONG, vocês podem visitar a página deles no facebook clicando aqui. E aí vai o resultado da visita e das entrevistas feitas com os voluntários. As fotos foram tiradas pela Gabriela. Outras imagens desse dia estão publicadas aqui.


Um ritual de alegria
por Alissa Carvalho

Domingo. Novembro de 2011. Cerca de quinze jovens entram no Hospital Infantil Albert Sabin carregando bolsas e sacolas. Por onde passam, cumprimentam guardas, assistentes sociais e enfermeiros. Caminham por vários corredores até chegar a um cantinho escondido no hospital, conhecido como Cidade da Criança. Lá, trocam de roupa. O que antes era camiseta e calça jeans passa a ser macacão com tema infantil e blusa de desenho animado, meia três-quartos e tênis colorido. As caras limpas são pintadas de branco – para esconder a personalidade séria e real, eles dizem – e depois cobertas com tinta colorida. Cada um faz a própria maquiagem, mas eles se ajudam no processo. O toque final é o nariz de palhaço. Fabrício Andrade agora vira “Estilingue” e Monique Souza se torna “Chocolate”. Personagens criados e desenvolvidos durante seis meses, que os voluntários levarão para a vida toda.

Voluntárias se preparando para a visita às crianças internadas no Albert Sabin.

Com o nariz vermelho e a cara pintada, eles ressaltam características que vão desde a maneira exagerada de andar até o tipo físico fora dos padrões da sociedade. É uma forma de estreitar os laços e atrair a atenção das crianças. Esse ritual é repetido pelos jovens todo fim de semana, no Albert Sabin ou na ala infantil do Instituto José Frota (IJF), em Fortaleza. São voluntários da Organização Não Governamental Risonhos, uma das várias que levam alegria a pacientes internados em hospitais e abrigos para idosos na cidade.

Foi na terapia do riso – ou na palhaçoterapia, como define Fabrício (o Estilingue), único estudante de medicina da trupe - que os jovens, em sua maioria estudantes universitários, encontraram uma maneira de levar o que está do lado de fora para as crianças que estão confinadas em ambiente hospitalar. É assim que Bruna Luyza explica o trabalho da “Risonhos”. Voluntária na ONG há um ano, ela não participava da ação naquele dia. Vestida de 'Bruna', nos acompanhava nos corredores do hospital, contando histórias das várias visitas que já fez com a ONG. Segundo ela, com o nariz de palhaço, os voluntários passam a ver as crianças de uma outra maneira. “A gente não vê a doença, só vê a criança. Antes, não acreditava muito quando o pessoal da ONG dizia isso, mas agora eu entendo”. Para Rebeca de Castro, a “Fofuxa”, voluntária desde o início da Risonhos, em 2008, os palhaços perdem o “filtro” entre cérebro e boca. “Se vestir de palhaço é ser simples, é ser livre”, declara.

Antes de começarem as visitas, os voluntários escutam atentamente as instruções, mas sem deixar o bom humor de lado. A principal delas? Não esquecer de lavar as mãos ao entrar em cada quarto. “É para não passar bactérias de um quarto para o outro”, explicam. Equipados com a marreta do sono e brinquedos de bolha de sabão, os agora palhaços estão prontos para o ato do dia. Eles passam a tarde no hospital e, divididos em grupos de três, visitam todas as enfermarias. No Albert Sabin, são quatro, uma por andar, cerca de 130 crianças que são visitadas a cada tarde. A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ainda é um tabu para os voluntários: a visita é permitida, mas eles não se sentem psicologicamente preparados. A ONG, hoje com 42 integrantes, recebe apenas o acompanhamento e a orientação esporádica de outros estudantes de psicologia e serviço social. Ainda estão em busca de alguém que possa dar a eles esse apoio de uma forma permanente.

Fabrício Andrade, o "Estilingue"

Para participar da ONG, é preciso responsabilidade e compromisso. Os voluntários passam por uma “risidência” com duração de seis meses. Nesse período, eles estudam a teoria da terapia do riso, o estatuto do idoso e o da criança e do adolescente (ECA). O treinamento ainda inclui acompanhamento dos voluntários mais antigos durante as ações, além de criar o próprio 'Clown' e aprender a usar o movimento corporal e as expressões faciais para interagir com os pacientes. A roupa e a maquiagem escolhidas, por exemplo, precisam ser adequadas para o ambiente hospitalar, sem intimidar ou assustar a criança. Só podem atuar aqueles que são aprovados durante a “risidência”.

O processo de formação dos novos integrantes foi montado e definido por meio de experimentação. No começo os voluntários entravam na ONG sem nenhum tipo de capacitação. “A gente dá essa capacitação embasados tanto na nossa realidade, no que a gente já viveu, como no que a gente pesquisa e estuda, para que as pessoas entrem com mais conteúdo na ONG. Antigamente, era só dizer 'eu quero ser voluntário' e ia para o hospital, pegava qualquer roupa, se maquiava de qualquer jeito. Hoje, já tem um direcionamento.”, esclarece Rebeca de Castro. Segundo Daniele Marinho, a “Nikita Maria”, os palhaços são preparados, na medida do possível, para lidar com as perdas inevitáveis, a rejeição das crianças e o receio dos pais.
Para Daniele e Rebeca, a humanização ainda não é feita por completo nos hospitais. Um dos motivos, elas afirmam, é a carga de estresse a qual os profissionais são submetidos diariamente. “Você só pode ser humanizador se você trabalha em um ambiente humanizador, e o hospital não é esse tipo de ambiente. O paciente nem é chamado pelo nome, é pela doença, pelo quadro clínico dele”, explica Rebeca. A atitude dos funcionários com relação ao trabalho da ONG também é um problema para os voluntários. “A gente tá tirando o sorriso de uma criança e, de repente, passa uma enfermeira e diz: mostra uma seringa para ela que eu quero ver até onde vai esse sorriso.”

As voluntárias definem o trabalho da ONG como o de transformar o medo das crianças em aceitação. A personagem de Daniele, Nikita Maria, é uma das poucas que usa o temido jaleco de médico. “Uma forma que a gente tem de tirar esse medo é justamente brincar. No meu jaleco, eu sempre trago algum brinquedo no bolso, sempre faço essa alusão: o que eu vou tirar do bolso não é algo que vai machucar a criança, é algo que vai alegrar.” Na brincadeira dos Risonhos, os recursos do hospital se transformam. Uma bolsa de soro pode virar um aquário e até um telefone, o monitor cardíaco vira um rádio ou uma televisão. E é dessa maneira que os palhaços pretendem desconstruir, na mente das crianças, a imagem de medo típica dos hospitais. “O ambiente do hospital é tão frio que a criança acaba relacionando aquilo não a algo que vai ajudar, mas a algo que ela vai ter medo, que vai maltratá-la.”, afirma Daniele. O objetivo, segundo ela, é levar felicidade às crianças mesmo em um momento de doença. “Se ela for esperar ficar boa para perceber que pode ser feliz, a recuperação vai demorar ainda mais”, explica.

Os pais nem sempre aceitam a presença dos voluntários no hospital. Além do medo de infecção – que Daniele conta ser contornado, muitas vezes, apenas por uma conversa entre pais e voluntários – há a visão de que palhaço e doença não combinam. Segundo Rebeca, alguns têm a percepção de que a figura do palhaço os impede de “curtir um luto que ainda nem aconteceu”. O objetivo do ato, ela explica, não é só fazer rir, é também compartilhar a dor. Pais e pacientes precisam saber que não estão sozinhos. “Só de você ir lá e dividir esse peso com a mãe já faz toda a diferença”, afirma Rebeca.


Voluntários da ONG Risonhos no dia da visita ao Albert Sabin

O trabalho da “Risonhos” não fica restrito apenas a ala infantil dos hospitais. No Abrigo para Idosos, uma das casas de repousos de Fortaleza, a atividade é diferente. Lá, eles têm a tarefa simples de ouvir as histórias de quem ainda tem muito para contar, mas já não tem com quem conversar. As visitas no asilo são feitas de cara limpa, pois os idosos não respondem tão bem ao personagem lúdico do universo infantil. Mas isso não significa que as visitas sejam sérias e sem alegria. A tarde no abrigo é passada com jogos de sinuca, festinhas e muita música. “Eles voltam a ser crianças”, conta Rebeca.

Mas não só crianças e idosos têm suas vidas mudadas através da atuação da ONG Risonhos. Segundo Daniele, os próprios voluntários são influenciados pelas situações que presenciam e a atividade que exercem. “Quando se fala em voluntariado, a gente acredita que é algo que se faz para as outras pessoas, mas na verdade é uma troca:você nunca vai ser a mesma pessoa depois que começar a fazer um trabalho como esse”.

Um comentário:

  1. Muito, muito bom. Texto, ideias, fotos, projeto, Risonhos, 'risidência', blog...

    Ouvir o Risonhos na voz da Bruna é bem bonito. Lê-lo na reportagem de vocês ficou, também, muito legal.
    =)

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