sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Lenimar Carvalho: vendedora de artesanato, ex-detenta, feliz

Como será o processo de reinserção da mulher ex-detenta - ou egressa do Sistema Penal - na sociedade? Será mesmo que as pessoas estão despidas de todo o preconceito com relação às mulheres que, finalizada a sua dívida com a Justiça, voltam para o lado de fora da prisão para tentar reconstruir uma vida mais digna?

Partindo dessas dúvidas/curiosidade, comecei a montar a pauta da minha reportagem para a disciplina Jornalismo Impresso I, ministrada pelo professor Agostinho Gósson,. Comecei pesquisando dados, números, estatísticas, mas, quer saber?, não era aquilo o que eu realmente queria passar para quem lesse a minha reportagem. Foi então que eu e a Thamires Oliveira, minha companheira de pauta, fomos na Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de Ceará, batemos na porta do NAPAE (Núcleo de Apoio ao Presidiário e Egresso), e falamos com quem melhor poderia nos responder as perguntas-base: as própria egressas. Fomos muito bem recebidas e conversamos com mulheres com histórias incríveis, mas uma em especial nos contou uma "saga" que mais parecia roteiro de cinema, a Lenimar. Com toda a simpatia e simplicidade, Lenimar não só nos proporcionou uma entrevista maravilhosa, mas também nos deu uma aula de força de vontade, fé e amor à vida. Não deu outra: fiz uma reportagem-perfil dessa mulher fantástica.


Perfil:
Lenimar Carvalho da Silva
“Eu sou a maior vendedora de artesanato daqui do NAPAE. Tenho uma verdadeira paixão pelo que é feito por preso e presa.”

por Beatriz C. Ribeiro

Fotografia, poesia, artes plásticas. Do começo ao fim da nossa conversa, a manauara Lenimar, 44 anos, não deixou de transparecer sua alma de artista. Muito expansiva e receptiva, tratou logo de apresentar os quadros, peças artesanais e fotografias espalhados pela sede do Núcleo de Assistência aos Presidiários e Apoio ao Egresso (NAPAE), da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus), onde trabalha desde 2007. Lá, Lenimar vende, em exposições, artesanatos produzidos dentro das unidades prisionais do estado, coordena eventos internos e, orgulhosa, se diz ser o “cartão de visita” do núcleo, mostrando em fotos o trabalho desenvolvido junto aos presidiários e egressos do sistema penitenciário cearense.

Assim como cerca de quarenta outras mulheres que trabalham em núcleos da Sejus em Fortaleza e na região metropolitana, Lenimar também cumpriu pena no Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, o IPF. Foram dois anos e seis meses em regime fechado, mais dois anos e dez meses em semi-aberto. Seu riso fácil logo dá lugar a um par de olhos verdes cheios d’água ao lembrar os maus momentos que vivera lá dentro e o engano cometido que lhe tomou alguns anos de liberdade.

Nascida e criada em Manaus, Lenimar, em 2004, vinha a Fortaleza montar seu segundo negócio de confecções. Na época, o filho adolescente estava envolvido com drogas. “Eu sabia o que o meu filho estava fazendo. Tentei impedir, mas não consegui”, disse. O filho, acompanhado de uma namorada e uma “generosa” carga de substâncias ilícitas, seguiu Lenimar de Manaus a Fortaleza. A Polícia Federal foi acionada e deteve primeiro a cúmplice, que delatou a localização do amante. Ele havia fugido, pouco tempo antes de sua prisão, para o quarto de hotel em que a mãe estava hospedada. Quando a polícia chegou ao local, Lenimar, num impulso de proteger o filho, assumiu o crime de tráfico de drogas. “Eu pensei que tinha livrado meu filho, que tinha resolvido a questão, só que não aconteceu isso. Meu filho ainda ficou 8 meses preso e eu fiquei 2 anos e 6 meses no IPF”, recorda desgostosa.

Passou por todo o processo judiciário, dormiu e acordou na prisão, conviveu com a tristeza, o escuro das celas, a violência. Sua vida havia mudado completamente. “Num dia, eu era uma microempresária e, de repente, estava presa”. Mas o seu jeito inquieto, vivo e alegre não a permitiu que baixasse a cabeça. Com pouco tempo, já conversava com muita gente dentro do IPF. Contou-nos, muito orgulhosa, que, lá, ensinava as analfabetas a ler e escrever, porque ficava indignada com o fato de elas quererem parecer “tão duronas, tão espertas” sem terem nem ao menos o conhecimento que as permitiria pegar o ônibus certo, ao saírem dali.

Ainda no IPF, Lenimar teve o primeiro contato com os projetos do NAPAE. Trabalhou na fábrica de material de limpeza, que mantém as presidiárias ocupadas, além de lhes reduzir um dia de pena a cada três de trabalho. Ela começou fazendo detergente e água sanitária, assim como todas as outras. Mas, de tanto observar o trabalho do supervisor da fábrica, em pouco tempo já o substituía em suas funções, quando era chamada. Notável a “curiosidade produtiva” da manauara, o supervisor lhe indicou ao NAPAE, para que fosse trabalhar lá quando saísse do IPF. E assim aconteceu. Mas não imediatamente após o fim do regime fechado.

Em 2007, findos os dois anos e seis meses no IPF, Lenimar cumpriria, então, o resto da sentença em regime semi-aberto, isto é, não poderia voltar para perto da família, em Manaus. Conseguiu emprego na Casa do Cidadão, como recepcionista. Não contava para todos a sua história passada, mas não era segredo a sua “temporada” na prisão. Contou-nos que sentiu, muitas vezes, o olhar atravessado das pessoas. “Fala-se de ressocialização, mas não é fácil, porque da cabeça de muita gente o preconceito toma de conta”, comenta. 

No fim de 2007, ainda em semi-aberto, saiu da Casa do Cidadão e foi buscar emprego no NAPAE. Ao chegar lá, a então supervisora do núcleo, que já a vira declamar poesias e pintar quadros, na época em que estava no IPF, além de lhe contratar como secretária e telefonista, permitiu-lhe utilizar a internet em horário de almoço e, no período da tarde, quando não houvesse muito serviço, poderia desenhar e pintar. “Aí ela me arranjou uma mesa, que vocês chamam ‘birô’, né? E pronto, eu tinha aqui [no NAPAE] o meu espaço”. 
Espaço esse que Lenimar foi expandindo, conversando com recém-egressos e profissionais do Direito, sem distinção, e se envolvendo ainda mais com o artesanato vindo de dentro das unidades penais, especialmente o das mulheres do IPF. Em 2008, encerrada a sua pena, Lenimar foi terceirizada pelo núcleo. “Hoje eu trabalho com o que mais gosto, que é artesanato, que é preso, que é pessoa”, diz.

Lenimar no stand de venda de artesanatos do NAPAE na Expoece 2011

Não abre mão de uma boa conversa com “as meninas do IPF”. “Da vida boa que eu levava antes da prisão e que perdi, encontrei algo bem melhor, quando saí, que é conviver com essas mulheres, que é mostrar para elas que todo mundo é capaz de mudar a sua própria história e que pode ser feliz”. Emocionada, fala que, todos os dias, vem uma ou outra agradecer por suas palavras amigas, seus conselhos.

Diz-se feliz. Há tempo para trabalhar, estudar, aprender outras línguas, “mexer na Internet”, escrever, pintar, fazer muitas fotografias, criar. Casou-se com Paulo Sérgio Lucas de Oliveira, que conhecera no NAPAE e que também é egresso do sistema carcerário. “É muito paciente e atencioso”, disse Lenimar ao interromper rapidamente a nossa conversa para atendê-lo ao celular. O filho, hoje aos 23 anos, casou-se com “uma moça boazinha”, está trabalhando e morando em Fortaleza, perto da mãe. Lenimar vive com o marido, um monte de materiais para pintura, um computador e vários bloquinhos com sua história e poesias eternizadas.
“De tudo que eu passei, o melhor lugar que encontrei foi aqui [o NAPAE]. Aqui foi a base da minha mudança. Aqui eu tive apoio, encontrei pessoas irmãs, que torceram muito para que eu não desistisse de viver, de ser alguém”, sorri.

NAPAE
É através do Núcleo de Assistência aos Presidiários e Apoio ao Egresso, que a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus) desenvolve atividades de ressocialização dos presos e dos que já saíram do Sistema Penal Cearense. No IPF, realiza projetos como a fábrica de material de limpeza, confecção de roupas e artigos esportivos, que geram renda e incentivam a re-inclusão dessas mulheres no mercado de trabalho. Em parceria com a Creche Amadeu Barros Leal, o NAPAE também mantém uma sede dentro do IPF, que oferece total assistência aos filhos de 0 a 6 anos das presas e egressas. Oferecendo apoio e respeito à Cidadania, o NAPAE vem desempenhando importante papel na prevenção da reincidência criminal.
:: SERVIÇO
Núcleo de Assistência aos Presidiários e Apoio ao Egresso - NAPAE
Endereço: Rua Tenente Benévolo, 1055 - Meireles. Fortaleza-CE
Fone: (85) 3101.2860

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