quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Rugas na mão que pede

Essa matéria foi pautada em outubro do ano passado, época em que a gente ainda estava no segundo semestre da faculdade. De início, a ideia era bolar uma reportagem breve pra publicar na não-nascida Revista Panz!, mas, como o projeto não vingou, a matéria ficou só esperando uma boa oportunidade para vir à tona.  O tema surgiu com uma simples observada ao redor. Surgiu de uma realidade incômoda, inconveniente, porém viva.

Rugas na mão que pede

Todos os dias, pessoas vêm e vão pelo bairro do Benfica. Apressadas, atrasadas. Cegas. E nesse vai-e-vem cotidiano, elas não vêem, quase pisam nos idosos que, quietos, com a mão esticada, pedem esmolas pelos sinais. Quando muito, os transeuntes se vêem na obrigação forçada de lhes atirar dez centavos, com o desgosto de ter que ficar sem o troco pra bala.

Nós, do Pauta Dupla, acompanhadas de um grupo de estudantes de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), fomos atrás dessas figuras velhinhas da vida urbana do bairro Benfica, ali bem perto da nossa realidade, nos arredores da reitoria da universidade. Sentamos ao lado deles no meio-fio da calçada e fizemos o que todo mundo parece temer (ignorar, talvez): batemos um papo com eles.

Falamos com a Dona Edite, 85 anos. Basta dar o pôr-do-sol, lá vem ela, apoiada no seu cabo de vassoura e com uma sacolinha debaixo do braço, se encostar pelos muros da UFC e por a mãozinha de esmola em riste.

Dona Edite sentadinha no canto do muro do Centro de Humanidades II da UFC

Ela contou que veio de Ubajara para Fortaleza ainda moça. Aqui, casou-se e teve cinco filhos. Um que “anda por aí no mundo” e que não sabe onde está, um que “pastora carros” e mais três mulheres. Viúva, Dona Edite vive da aposentadoria do marido, que faleceu há algum tempo, e dos cuidados das filhas. “Cuidam assim, né... se tiver de comer elas dão comida”, diz. 

Quando não está pelos arredores do Benfica, ela vai para as igrejas pedir esmola. A do Otávio Bonfim e a da Sé.  “Lá eu fico sentada, aí as pessoas que já são acostumadas comigo, me dão”. Também fala que fica nas ruas porque gosta e que não pensa em ir para abrigo nenhum: detesta fofoca e “zoada de menino”.

Seu maior desejo é ter uma casa só dela, para morar com o filho, que também vive da bondade dos outros, ganhando algumas moedas pelo seu serviço. “Eu gosto dele porque não tem ninguém, igual a mim”. Ela diz que não pretende viver nem mais um ano, que está cansada demais.

Conversamos também com aquele que fica no canteiro em frente à reitoria da UFC, bem na “hora do sol quente”. Seu nome é Raimundo. “Só Raimundo mesmo, desde 8 de agosto de 1941!”, diz solene.

Encabulado, Seu Raimundo "escreve números" no chão

No começo, ficou meio assustado com a abordagem, mas, com pouco tempo, já estava contando sobre o tempo que viveu em Sobral, sua cidade natal, e dos tempos em que “só tinha mato e bicho pelo meio do mundo”. Falou sobre as origens do Benfica, sobre sua mocidade, seu brilho na gafieira e os galanteios de quando era moço.

Raimundo foi feirante e pedreiro. Gostava de fazer trabalho pesado, mas gostava ainda mais de dançar nos bailes da sua mocidade. “Meu chapéu ia pra lá e meus pés pra cá... As meninas ficavam todas apaixonadas!”, relembra com a cabeça baixa e um sorriso cansado.

É analfabeto, mas diz, orgulhoso, que sabe “escrever os números”. De família, tem umas filhas que não sabe onde estão. Fala que, depois de tanto tempo, nem se lembra mais de tudo que aprendeu pelas ruas. Só sabe que não tem sonhos nem maiores desejos. Quer chegar a casa, ficar com sua mulher e pronto. E que não precisa de mais nada, porque tem uns amigos que lhe dão “uns trocadinhos” e tem a proteção de São Francisco. 

E quem melhor para idosos como Seu Raimundo e Dona Edite se apegarem, senão às forças divinas? Quem para lhes dar mais força e esperança? A Lei Federal N°10741, que garante que “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão” seria uma opção?


O Estatuto do Idoso

Segundo dados divulgados pelo IBGE, no decorrer de uma década – de 1999 a 2009 – a quantidade de pessoas com idade acima de 60 anos saltou de 9,1% para 11,3% da população total do Brasil. Isso significa cerca de 21 milhões de idosos. Com o objetivo de garantir a cidadania desses milhões de brasileiros, foi criado o Estatuto do Idoso, que regula seus direitos, assegurados pela Constituição Federal de 1988.

O Estatuto do Idoso, como ficou conhecida a Lei Federal N°10741, foi sancionado em 1° de outubro de 2003, pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Após tramitar cinco anos no Congresso Nacional, o projeto de lei apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS) foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

Para ter acesso ao Estatuto do Idoso na íntegra, clique aqui.


Aí vai uma lista de abrigos para idosos da cidade de Fortaleza:

Lar Torres de Melo
Rua Júlio Pinto, 1832 Jacarecanga – Fortaleza-CE Fortaleza- CE
CEP: 60035-010  Tel: (85) 3281-3362

Irmandade Beneficente da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza
Av João Pessoa, 6600 Parangaba - Fortaleza - CE
CEP: 60425-682 Tel: (85) 3292-9238

Centro de Convivência do Idoso Francisca Firmo Cavalcante Fontoura
Rua Cândido Maia, 245 Antônio Bezerra - Fortaleza - CE
CEP: 60356-830 Tel: (85) 3488-3389

Casa Fraterna São Pio (Toca de Assis)
Rua Francisco Vasconcelos Júnior, 8  Passaré– Fortaleza-CE
CEP 0862-250 Tel: (85)3291-5485 / (85) 3232-5277


Para denunciar casos de maus tratos:
Promotoria de Defesa do Idoso e do Deficiente do Estado do Ceará
Rua Assunção, 1100 - José Bonifácio
Tel: (85) 3452-3756
Disque-denúncia: 0800-850022
Site: http://www.mp.ce.gov.br


Expediente:
Texto: Beatriz C. Ribeiro e Kelviane Lima
Fotografias: Beatriz C. Ribeiro e Kelviane Lima
Produção: Beatriz C. Ribeiro, Felipe Martins, Jefferson Cavalcante e Kelviane Lima

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